Texto: Elefantes
Meu primeiro dia na escola foi bem
ruim. Hoje em dia as crianças não sabem direito como é o primeiro dia em que a
gente entra na escola. Elas começam muito pequenas, com três anos estão no
maternal. Comigo foi diferente. Eu já era meio grande. Tinha seis anos.
Imagine. Seis anos. Quer dizer que,
desde que eu nasci, até ter seis anos, eu ficava em casa. Sem fazer nada. Brincava um pouco. Mas meus irmãos eram muito mais velhos, e criei
o costume de brincar sozinho. Era meio chato.
Até que chegou o dia de entrar na
escola. Minha mãe foi logo avisando.
— Olha Marcelo. Lá na escola, não pode
ficar falando palavra feia. Bunda, cocô, xixi. Não usa essas palavras.
Tocaram a buzina. Era o ônibus da escola.
Eu estava de uniforme. Calça curta
azul, camisa branca.
Eu tinha uma camisa branca que me dava
sorte. Era uma com uma pintinha no colarinho. Gostava daquela pintinha preta.
Mas no primeiro dia de aula justo essa camisa tinha ido lavar. Fui com outra.
Que não dava sorte.
Bom, daí a aula começou, teve o
recreio, eu não conhecia ninguém, tirei um sanduíche da lancheira, o lanche
sempre ficava com um gosto de plástico por causa da lancheira, mas eu não sabia
disso ainda, porque era a primeira vez que eu usava lancheira, então tocou o
sinal e fui de novo para a classe.
Até que deu certo no começo. A
professora explicou alguma coisa sobre os elefantes. Falou que eles tinham
dentes grandes, e que esses dentes eram muito valiosos.
Então ela perguntou:
— Alguém sabe qual o nome dos dentes do
elefante?
Ou melhor, ela falou assim:
— Alguém sabe para que servem os dentes
do elefante?
Vai ver que ela queria perguntar: "Qual
o material precioso que é tirado das
presas do elefante?".
O fato é que eu sabia a resposta, e
gritei:
— O marfim!
A professora me olhou muito contente. Os meus colegas também me olharam, mas não
pareciam tão contentes.
Ela brincou:
— Puxa, você está afiado, hein?
Eu não respondi, mas fiquei inchado de alegria,
como se fosse
um elefantezinho. Dentes afiados.
Tinha sido um bom começo.
Mas aí vieram os problemas.
Fui ficando com a maior vontade de
fazer xixi.
Segurei.
A professora continuava a falar sobre
os elefantes.
Assunto mais louco para um primeiro dia
de aula.
E a vontade de fazer xixi ia
aumentando.
Cruzar as pernas não adianta nessa
hora.
Olhei para um coleguinha no banco da
frente. Tive inveja dele. Ele estava ali, tranquilo. Sem nenhum aperto. Como é
que seria estar no lugar dele? Pedir para ser ele, pedir emprestado o corpo
dele por algum tempo? Como alguém pode ficar sem vontade de fazer xixi? Sem nem
pensar no problema?
Eu estava ficando meio desesperado. Eu era meio tímido também. Levantei a mão. A professora perguntou o que eu queria.
— Posso ir no banheiro?
— Espere um pouco, tá?
Ela devia estar achando muito
importante aquela história toda sobre elefantes. Começou a explicar como os
elefantes bebiam água. Eles enchiam a tromba, seguravam bem, e daí chuáá...
Levantei a mão de novo.
— Preciso ir no banheiro, professora...
Ela nem respondeu. Fez só um gesto com
a mão. Para eu esperar mais.
Na certa, ela estava pensando que, no
primeiro dia de aula, é importante não facilitar. Não dar moleza. Devia
imaginar que todo mundo inventa que quer ir ao banheiro só para passear um
pouco e não ficar ali assistindo aula.
Professora mais chata.
Levantei a mão pela terceira vez.
Eu realmente não aguentava mais.
Só que a professora nem precisou
responder.
Tinha tocado o sinal. Fim da aula.
Era só correr até o banheiro.
Levantei da carteira. A gente era
obrigado a sair em fila.
Faltava pouco.
Claro que não deu.
Fiz o maior xixi. Dentro da classe.
Logo eu, que nunca fui de fazer grandes
xixis. Mas aquele foi fenomenal. Parecia um elefante. Coisa de fazer barulho
no chão. Chuáá...
A professora chegou perto de mim.
— Você estava apertado? Por que não me
avisou?
Eu não soube o que responder. Mas
entendi algumas coisas.
A coisa mais óbvia é que, quando você
tem vontade de fazer xixi, vai e faz. Coisa mais chata é ficar pedindo para
alguém deixar a gente ir ao banheiro. Banheiro é assunto meu.
Outra coisa é que as pessoas, em geral,
não ligam para o que a gente está sentindo. Para mim a vontade de fazer xixi
era a coisa mais importante do mundo. Para a professora, a coisa mais
importante do mundo era ficar falando de elefantes.
É como se cada pessoa tivesse um filme
dentro da cabeça. E só prestasse atenção nesse filme. Filme dos elefantes,
filme do xixi.
Mais uma coisa. Quando a gente precisa
muito, a gente tem de gritar para valer. Eu devia ter gritado:
— Professora, tenho de fazer xixi.
Ou, se quisesse evitar a palavra feia:
— Professora, tenho absoluta urgência
de urinar.
Não seria bonito, mas até que seria
certo dizer:
— Vou dar uma mijada, pô .
Mas o pior é ficar levantando a mão e
dizendo baixinho:
— Professora, posso ir no banheiro?
Vai ver que eu estava falando tão baixo
que ela nem escutou.
As pessoas nunca escutam muito bem o
que a gente diz.
Uma última coisa.
Aquele xixi não teve importância
nenhuma. Eu fiquei envergonhado. Ainda mais no primeiro dia de aula. Só que, alguns dias depois, o vexame tinha
passado. Tudo ficou normal. Tive amigos e inimigos na classe, fiz
lição, respondi chamada,
e nem a
professora, nem meus amigos, nem meus inimigos, ninguém se
lembrou do meu xixi.
Sabe por quê? É porque já estava
passando outro filme na cabeça deles. Cada pessoa tem outras coisas em que
pensar: a briga que os pais estão tendo, o irmão mais velho que é chato, o
presente que vai ganhar de aniversário...
Só eu liguei de verdade para o caso do
xixi. As outras pessoas estão sempre tratando de assuntos mais sérios.
Elefantes, por exemplo.
Marcelo Coelho
Com o texto “Elefantes”, de Marcelo Coelho, trabalharei
a organização da narrativa por meio de segmentação.
Pedir que os alunos leiam o texto
silenciosamente.
Depois de verificar que não há dúvidas no
entendimento, explicar que o texto lido tem começo, meio e fim, como na maioria
das narrativas. A ordem do texto é estabelecida por “pedaços” que se organizam
de acordo com a sequencia dos fatos, pelas relações entre eles e por certas
palavras que funcionam como pistas para o leitor, por exemplo: “Imagine. Seis
anos.”; “Até que chegou o dia...”; “Mas aí vieram os problemas.”, a sequencia
de conclusões “A coisa mais óbvia...”, “Outra coisa é que...”, “Mais uma
coisa”.
Escrever o início e o final do primeiro
segmento para que a turma tenha um exemplo de como fazer o exercício. Após a
correção, propor a produção do texto. Se algum aluno não se lembrar do primeiro
dia em que foi à escola, sugerir que ele conte um fato marcante que aconteceu
com ele. Ressaltar que a organização do texto deve ser semelhante à de Marcelo
Coelho. Tal observação é importante para que os alunos construam seu texto
orientando-se por um exemplo de qualidade. É desejável que a primeira versão do
texto seja escrita em papel de rascunho, pois os alunos deverão,
posteriormente, fazer a revisão. Convide “voluntários” para ler o texto que
criaram e incentive comentários.
Objetivos:
·
Perceber a organização do texto narrativo por
meio de segmentação.
·
Produzir narrativa de memórias com organização
semelhante à do texto estudado.
O texto “Elefantes” será dividido em segmentos,
que correspondem às partes que o compõem.
ATIVIDADE
1. Indique o trecho que faz parte de cada
segmento, escrevendo suas palavras iniciais e finais:
SEGMENTOS
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TRECHOS
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Comentários
do narrador sobre a idade de entrar na escola e sobre seu período
pré-escolar.
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Ida
para a escola.
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Inicio
da aula e aparecimento do problema.
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Narração
do desenvolvimento do problema.
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Comentários
do narrador sobre o problema
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2. Produzir um texto sobre o seu
primeiro dia de aula na escola, ou sobre outro dia qualquer em que aconteceu um
fato marcante com você na escola.
Organizar o texto usando os mesmos
segmentos que o de Marcelo Coelho, isto é, contando:
a) O que fazia antes de ter idade de ir
à escola?
b) Como foi o primeiro dia de aula?
c) Que fato chamou sua atenção?
d) Como ocorreu o fato?
e) O que você achou do fato, o que
pensa sobre isso?
AVALIAÇÃO
Os alunos serão avaliados através da
produção textual, apresentação do texto aos colegas e professora.
Esta atividade será individual e terá
peso 3,0.
Autora: Andréa Oliveira de Santana